3 de outubro de 2011

Um Coração Legionário

Uma vez me perguntaram qual foi o dia mais feliz da minha vida ou se eu me lembrava qual foi o momento em que eu parei e pensei que seria guardado para sempre em minhas lembranças como aquele em que é válido estar vivo.

Aquele dia, há 7 anos eu não soube responder. Nada, nenhum significado havia em minhas lembranças mais fortes, aquelas que eu guardo em meu ser desde muito pequena. E sempre que eu me lembrava dessa pergunta, me esforçava ainda para tentar respondê-la, mas meu coração ainda não mandava a resposta.

                                                                       ***
Era como se o inferno não existisse e o céu tivesse descido à terra. Aquele ônibus que não chegava logo ao seu destino. Era de madrugada ainda. Eu podia ver a neblina fria entre a estrada e a serra, enquanto o veículo fazia curvas silenciosas e suaves. Não havia sono, não havia cansaço. Somente a ansiedade tomava conta de todo meu espírito, deixando meu corpo à mercê do que ele queria: Chegar logo!

A viagem de São Paulo ao Rio de Janeiro demorava seis horas. Para mim, aquela viagem demorou 26 anos, 4 meses, 2 semanas e 6 dias.

                                                                       ***
Agora sinto estar mais perto o meu destino. Estou a poucas horas de chegar ao local dos meus anseios há 3 meses. Esperar é saber. Realizar é existir. E todo o mau humor, a tristeza e o pessimismo irão embora com toda a certeza que eu terei uma ótima noite.

Estava a quatro horas dentro de um ônibus lotado, fazia um calor infernal, o suor derretia entre minhas mãos, o trânsito não andava. Já tinha passado acidentes e havia mais trânsitos pela frente. E já eram cinco horas da tarde!

Eu estava no terceiro ônibus quando comecei a rezar. Eu tinha que ver aquele show. Nada mais importava para mim naqueles últimos dias. E tudo o que eu esperei nesses 26 anos de vida poderiam se resumir ali, naquele show daquela banda que não existia mais, mas que nunca deixou de tocar no meu coração e na minha mente.

Desço do último ônibus. Agora é só caminhar quinze minutos para pisar no solo sonhado por tantas noites insones de ansiedade e alegria. Uma, duas, três entradas. A cada passo um obstáculo é deixado para trás. A cada passo, um aperto dentro do peito. Estou cada vez mais perto de realizar um sonho.
Passo a entrada e um suspiro de alívio é meu primeiro ato dentro da Cidade do Rock. Tenho exatamente quarenta minutos de descanso. Ou de mais ansiedade. Tento não pensar muito no que está por vir. Acalmar o coração.
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A Orquestra sobe ao palco. Eu estou no meio de 100 mil pessoas. Um medley com alguns sucessos da Legião Urbana é tocado durante cinco minutos para a plateia que canta em todas as músicas, seja pelo menos um refrão.

A música nem começou e eu levo a mão ao rosto para enxugar as lágrimas que já teimam em cair, antes mesmo de eu saber o que estava para acontecer. Aquelas lágrimas esperaram tanto tempo para ter seu espaço que nem ligo mais para quem está me vendo chorar, onde estou ou o porquê de tudo aquilo. Só penso em extravasar tudo o que eu demorei em sentir. No telão, algumas imagens do ídolo da banda, Renato Russo, começam a passar. E eu, como tantos fãs ali, 100 mil pessoas, não suporto ainda a ideia de não ter ele no mesmo planeta. E o choro não para.

Foi naquele momento que eu percebi que toda aquela cidade havia parado para aquele show. Os seguranças, a multidão, os ambulantes vendendo água, os jornalistas e todos os músicos ali presentes.

Quando a primeira música é cantada, “Tempos Perdidos”, é preciso mais do que força e fé para suportar toda a emoção daquele momento. Para quem nunca foi a um show da Legião Urbana, certamente sabe do que eu estou falando.

Nessa hora, fecho os olhos e silenciosamente agradeço a Deus e ao divino que me deixou viva para assistir tudo aquilo. Penso em minha mãe e meu pai que já não estão presentes e agradeço por eles terem me dado a chance de viver.

A segunda música “Quase Sem Querer” fala mais do que o universo representa para mim. E o último verso “Eu sei que você sabe quase sem querer que eu quero o mesmo que você” representa o meu amor e a minha vida. Foi nessa hora em que eu fui pedida em casamento. A vida nos guarda mais surpresas e emoção quando estamos sentido o que é realmente viver.

Extasiada, emocionada, em pequenos e singelos fragmentos eu consegui suportar toda a emoção daquela noite. E com toda aquela multidão, eu peguei na mão da única pessoa que realmente estava ali do meu lado. E não precisava mais de nada. Ela já conseguiu me dar o melhor dia, a melhor noite e a melhor lembrança que eu pude viver.

“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”.

O bis da apresentação, a música “Pais e Filhos” deixa um misto de saudade, alegria e nostalgia. Sei que é a última, mas ansiei por ela mais do que tudo na última semana. Cansada e esgotada fisicamente e emocionalmente eu já não sei mais quem sou ou onde estou. Meu coração aos pulos está me mandando a resposta. Aquela pergunta antes nunca respondida, agora encontrou seu caminho. Hoje eu sei que aquele dia ficará marcado para sempre como o mais feliz da minha vida.

Sobreviver ou viver. Todos os dias faço isso. Mas a data de 29/09/2011 foi o dia em que estar viva foi uma dádiva. Obrigada!  Urbana Legio Omnia Vincit